"A Vida Invisível", por André Bacci
Mais uma vez nosso colaborador André Bacci nos presenteou com sua crítica que realmente tem o cinema à flor da pele. "A Vida Invisível" tem uma história de rasgar o coração ou talvez até injusta pelo destino. O lançamento desse belíssimo filme está previsto para 21 de novembro.
Carol Duarte é Eurídice Gusmão e Julia Stockler é Guida Gusmão. |
"É o quê?"
"É menino."
"Sorte a dele."
Na sexta-feira, tive a oportunidade única de assistir a "A Vida Invisível", de Karim Aïnouz, em cabine e participar de uma coletiva de imprensa na Mostra Internacional de Cinema d e São Paulo, na presença da equipe e do elenco.
O filme conta a história de duas irmãs, Guida e Eurídice, tragicamente separadas pelo pai no Rio de Janeiro, na década de 50. Guida (Julia Stockler) é uma jovem aventureira, inconsequente e apaixonada, e Eurídice (Carol Duarte) é a sua irmã talentosa e submissa, com uma vocação assombrosa no piano. Um dia, Guida parte de navio na companhia de seu namorado grego, mas o descobre como um cafajeste e retorna, solteira e grávida, ao Brasil, onde é recebida com ódio e vergonha pelo pai, que a expulsa de casa e mente a ela sobre o paradeiro da irmã.
Segundo ele, Eurídice está no conservatório de Viena, realizando seu sonho, mas ela na verdade saiu de casa para se casar com Antenor (Gregório Duvivier).
O destino parece querer colaborar com Guida. |
A partir daí, o destino das duas se afasta irreversivelmente: Guida passa a morar com o filho e Dona Filomena (Bárbara Santos), que ganha a vida cuidando das crianças de mulheres que precisam trabalhar. Segundo Stockler, Guida "é uma revolução"; uma mulher destemida que cria uma nova ideia de família, e que foi construída pensando na força. Toda essa riqueza de personalidade e intensidade é perfeitamente transmitida pelo roteiro e por sua performance apaixonante. Eurídice, por outro lado, reduz-se e emudece cada vez mais frente à opressão que sofre por parte do marido e do pai, encontrando cada vez menos tempo para realizar seus sonhos. É fascinante, portanto, o modo como Carol Duarte consegue vestir a tristeza e desapontamento de sua personagem, quando ela mesma encontra menos e menos espaço para falar.
Eurídice e o sonho de pianista, fica cada vez mais distante. |
A narrativa caminha lânguida, mas certeira, com uma melancolia que se infiltra em cada um dos seus irretocáveis frames, meticulosamente construídos e
enquadrados com uma riqueza esplêndida de cor, textura e detalhe; sob vários aspectos, é um filme que se assemelha muito à obra-prima de Wong Kar-Wai, "Amor à Flor da Pele", principalmente nas suas sequências em câmera lenta, no seu uso desmedido de cores complementares, e nos seus enquadramentos.
"A Vida Invisível" é um conto aterrador e detalhado sobre a violência silenciosa que foi (e ainda é) perpetrada contra as mulheres do Brasil, mas nunca,
como a maravilhosa Fernanda Montenegro fez questão de destacar, se deixa cair em didatização: é um drama que constrói o sentimento pouco a pouco, de forma extremamente sólida, e que se enriquece nas suas construções inteligentes de personagem. Aqui, não vemos homens vilanizados e caricatos, mas sim, homens que todos conhecemos, pessoas simpáticas e de certa forma até afetuosas, que no entanto ainda utilizam seus privilégios e preconceitos para manipular e oprimir as mulheres em suas vidas. A decisão de escalar Duvivier para viver o marido de Eurídice é, por isso, tão acertada: ele é capaz de transmitir com precisão a fraqueza e a covardia de seu personagem, mas também a sua abstinência e ignorância.
Mas o que o filme é, acima de tudo, é uma história de amor, das mais dilacerantes e intensas, construída e detalhada ao longo de anos. Quando, nos últimos minutos, o bastão é finalmente passado à Fernanda Montenegro, é absolutamente impossível não se emocionar: pelo cinema inteiro, se ouvia o som inconfundível de um choro coletivo, e, quando o filme se encerra com a mesma emblemática e inquietante reinterpretação do mito grego de Eurídice e Orfeu com que começou, não havia dúvidas de que eu tinha acabado de presenciar uma das obras mais importantes e incríveis do ano.
Mas o que o filme é, acima de tudo, é uma história de amor, das mais dilacerantes e intensas, construída e detalhada ao longo de anos. Quando, nos últimos minutos, o bastão é finalmente passado à Fernanda Montenegro, é absolutamente impossível não se emocionar: pelo cinema inteiro, se ouvia o som inconfundível de um choro coletivo, e, quando o filme se encerra com a mesma emblemática e inquietante reinterpretação do mito grego de Eurídice e Orfeu com que começou, não havia dúvidas de que eu tinha acabado de presenciar uma das obras mais importantes e incríveis do ano.
Sinopse
As irmãs Guida e Eurídice são como duas faces da mesma moeda – irmãs apaixonadas, cúmplices, inseparáveis. Eurídice, a mais nova, é uma pianista prodígio, enquanto Guida, romântica e cheia de vida, sonha em se casar com um príncipe encantado e ter uma família. Um dia, com 18 anos, Guida foge de casa com o namorado. Ao retornar grávida, seis meses depois e sozinha, o pai, um português conservador, a expulsa de casa de maneira cruel. Guida e Eurídice são separadas e passam suas vidas tentando se reencontrar, como se somente juntas fossem capazes de seguir em frente.
Assista o Trailer
Ficha Técnica
Roteiro: Murilo Hauser
Co-roteiro: Inés Bortagaray e Karim Aïnouz
Baseado na obra de Martha Batalha
Elenco: Carol Duarte, Julia Stockler, Gregorio Duvivier, Bárbara Santos, Flávia Gusmão, Antônio Fonseca, Flavio Bauraqui, Maria Manoella e participação especial de Fernanda Montenegro.
Produtor: Rodrigo Teixeira
Co-produtores: Michael Weber e Viola Fügen.
Empresas produtoras: RT Features, Pola Pandora, Sony Pictures, Canal Brasil e Naymar.
Produtores Executivos: Camilo Cavalcanti, Mariana Coelho, Viviane Mendonça, Cécile Tollu-Polonowski, André Novis Produtor Associado: Michel Merkt
Diretora Assistente: Nina Kopko
Direção de Fotografia: Hélène Louvart (AFC)
Direção de Arte: Rodrigo Martirena
Figurino: Marina Franco
Maquiagem: Rosemary Paiva
Diretora de Produção: Silvia Sobral
Montagem: Heike Parplies (BFS)
Montagem de som: Waldir Xavier
Som direto: Laura Zimmerman
Música Original: Benedikt Schiefer
Mixagem: Björn Wiese
Idioma: Português
Gênero: Melodrama
Ano: 2019
País: Brasil
Agradecimentos: Sinny Assessoria e Comunicação.
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